Mídia e suicídio
Bial, cuidado para não estimular suicídios. Entrevistados agradáveis e respeitáveis, um auditório repleto de pessoas inclinadas a apoiar a eutanasia, descrição de métodos, são ingredientes para estimular muitos telespectadores – que não estão em estado terminal – ao suicídio e injustificável, desnecessário. Pessoas com depressão (curável, situação reversível), assim como bipolares, podem ser estimuladas ao suicídio pelo seu programa. Há uma ampla literatura sobre o que muitos chamam de “efeito Werther” que demonstram o perigo de colocar o suicídio em forma romantizada ou heróica na mídia. Leia sobre o Consenso de Viena. E, se estiver realmente interessado, ponha o seu staff para trabalhar, fazendo uma revisão da literatura científica sobre a influência da mídia sobre a taxa de suicídios.
Não é de hoje que se conhece e pesquisa essa relação. Há 36 anos, Kenneth A. Bollen and David P. Phillips estudaram os suicídios por imitação. ( American Sociological Review, Vol. 47, No. 6, Dec., 1982, pp. 802-809.
Sugiro, particularmente, os trabalhos de Kay Redfield Jamison, psiquiatra, bipolar e que tentou o suicídio.
Até aqui no Brasil o efeito da mídia sobre a taxa de suicídios já foi demonstrado. Leia o trabalho de Loureiro, Moreira e Sachsida disponível no R C IPEA. Veja como resumiram sua pesquisa:
“Utilizando dados para os 27 estados brasileiros, no período 1980-2009, observa-se que o índice de mídia (Midia) é o terceiro motivador do suicídio, depois de desemprego e violência, para todos os grupos de pessoas. O modelo estimado mostra que o aumento de 1% no Midia eleva a taxa de suicídio de homens jovens (idade entre 15 e 29 anos) em 5,34%. Este resultado parece sugerir uma espécie de efeito contágio nas taxas de suicídio, o que reforça os resultados obtidos por Cutler, Glaeser e Norberg (2001).”
Gláucio Ary Dillon Soares
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Os americanos e as armas
A insistência americana em manter uma política sem limites em relação às armas de fogo surpreende observadores e estudiosos em muitos países. Não obstante, se mesmo uma análise inicial mostra diferenças muito grande entre os Estados Unidos e outros países semelhantes, uma análise mais detalhada demonstra que a população americana não é homogênea no que concerne o apoio às políticas existentes sobre as armas de fogo.
As diferenças entre os Estados Unidos e outros países com alta renda per capita de língua inglesa são muito grandes. Os Estados Unidos são o país com mais armas em mãos de civis por cem residentes no mundo. Mais de noventa. Comparando a percentagem dos homicídios cometidos com armas de fogo, vemos os Estados Unidos nessa indesejável liderança, com 64%, seguida pelo Canadá, com 30%, da Austrália, com 13% e da Inglaterra e País de Gales, com 4%.
Essa ordem se reflete na taxa de homicídios?
Sem dúvida: os dados mais recentes, do Banco Mundial (2015) mostram que a ordem é a mesma: Estados Unidos (5 por 100 mil), mais do que o dobro da taxa canadense de 2 por 100 mil, cinco vezes a da Austrália, de um por cem mil, e muitas vezes a do Reino Unido, que é inferior a um.
Vamos olhar, agora, dentro dos Estados Unidos. O número de suicídios com armas de fogo é muito maior do que o de homicídios:
O número de homicídios por armas de fogo esconde um efeito ainda pior da política de armas nos Estados Unidos: há muito mais suicídios do que homicídios com armas de fogo. Margot Sanger-Katz sintetizou bem esse ponto: “Quando americanos pensam a respeito das mortes devidas às armas de fogo, focam nos homicídios. Porém, não há como escapar do problema dos suicídios com armas de fogo: mais de 60 por cento [das mortes com armas de fogo] são suicídios (NYT, 8/10/2015).”
Porque os suicídios são vistos com mais naturalidade do que os homicídios, essas são cifras ocultas. O grande público não as menciona, a mídia raramente as cita. Não obstante, são mortes de seres humanos. E não atingem somente idosos: os suicídios são a segunda causa de morte de americanos jovens, entre 15 e 34 anos. Mais anos de vida perdidos. Contudo, os americanos não são monoliticamente contra o controle das armas de fogo.
Internamente, os Estados Unidos estão muito divididos no que concerne o controle de armas. Há divisões esperadas e divisões que surpreendem o público leitor. As mulheres querem o controle mais do que os homens (58% x 40%). A idade também: quanto mais velho, mais favorável às armas. O local de moradia conta bastante: 33% dos rurais; 50% dos suburbanos e 57% dos urbanos. As regiões também variam muito no apoio que dão ao controle de armas – varia de 36% a 61%. A geopolítica conta. A religião, como esperado, é dos fatores mais relevantes, pois o apoio ao controle de armas: os evangélicos, mais conservadores, são os que menos apoiam o controle de armas (29%); a maioria dos protestantes também é contrária: 41% apoiam o controle; finalmente, consistentemente com a doutrina de defesa à outrance da vida (contra o aborto, contra a eutanásia e contra a pena de morte), os católicos são os que mais favorecem o controle das armas (62%). É uma diferença de mais de trinta pontos percentuais em relação aos evangélicos.
A raça conta muito, mas não são os negros os que mais querem o controle: são os hispânicos. 75% deles favorecem o controle de armas, mais do que os negros (66%) e os brancos (42%).
Temos, portanto, uma população dividida, que mais parece um mosaico de opiniões. Há pontos específicos apoiados tanto pela maioria dos democratas, quanto pela maioria dos republicanos, como uma verificação rigorosa dos antecedentes dos compradores, para garantir que não é um doente mental nem um terrorista.
Os dados são acachapantes. Em uma década, de 2005 a 2015, houve 301.797 mortes por armas de fogo nos Estados Unidos, em comparação com 71 mortes por terrorismo dentro do território americano. Não obstante, há muito, mas muito mais apoio a uma pesada e custosa guerra ao terrorismo, seja onde for, do que ao controle das armas de fogo.
Não obstante, a NRA, defensora intransigente da total liberdade de usar armas, com vínculos estreitos com a indústria armamentista, se opõe a qualquer restrição.
Como explicar essa estagnação? Porque uma postura que é levemente majoritária (e já foi mais) no plano da opinião pública não se impõe nas eleições e nas políticas públicas?
A primeira explicação vem do lado da apatia política. Ela é grande e não é homogênea. Sessenta e dois por cento dos americanos não registrados para votar apoiam o controle de armas. Maioria sólida, mas não votam. Já do lado dos registrados para votar, cerca de 45% favorecem algum controle sobre as armas.
A preferência partidária divide bem a população em relação às armas. Quem favorece o controle das armas? Apenas 26% dos republicanos. Os independentes racham no meio. E a maioria dos democratas apoia as restrições. Entretanto, os democratas participam menos e votam menos. A influência da preferência partidária pode ser ampliada porque nem republicanos ou democratas são homogêneos. Vinte e um por cento dos republicanos mais de direita, autodenominados conservadores, apoiam o controle das armas; a percentagem é maior entre os republicanos moderados, 37%. Do lado dos democratas acontece o mesmo: dois em cada três moderados apoiam o controle, que é apoiado por três em cada quatro dos democratas liberais.
Assim, as explicações baseadas na “cultura de armas” ajudam a explicar diferenças entre os Estados Unidos e outras nações, mas essa explicação é incompleta, porque, naquele país, ou em qualquer outro, há heterogeneidade interna, mas a crença na existência de uma cultura homogeneamente pró-armas impede a incorporação desse mosaico de crenças e opiniões, que é muito importante e fecundo.
Mesmo assim, as matanças são tão comuns que mudaram a opinião pública americana. A maioria dos americanos quer leis mais restritivas em relação às armas, de acordo com a última pesquisa da Quinnipiac University.
Finalmente, para completar a análise da influência da política nas contradições americanas a respeito das armas de fogo, é preciso colocar a NRA no tabuleiro.
Quanto gasta a NRA com a política? Nas campanhas eleitorais, menos do que parece. De acordo com a OpenSecrets, em 2014, ela gastou quase um milhão de dólares em contribuições políticas. Gastou mais no que ela faz de melhor, o lobbying: três milhões. Gastos em outras rubricas são maiores: em 2012, foram quase vinte milhões em candidatos que fizeram o possível para eximir as armas de qualquer responsabilidade pelo massacre de San Bernardino. E tanto em 2013 quanto em 2014 gastou quase trinta milhões em contribuições políticas “externas”. Menos do que várias operações investigadas pela Policia Federal em contribuições partidárias e pessoais ilegais no Brasil.
De onde vem o sucesso da NRA? De uma política de targetting os adversários mais relevantes. A NRA dedica muitos recursos aos principais oponentes da política de liberdade total de propriedade, porte e uso de armas. É uma estratégia que não poderia funcionar em um regime proporcional, mas em um regime que elege um representante por distrito, basta eleger os adversários e concentrar os recursos em campanhas desacreditando-os e no financiamento do seu competidor. Num sistema proporcional teria que financiar dezenas lautamente em cada estado. No Brasil, as empresas das armas se concentram em eleger simpatizantes e representantes, o lobby da bala, ao passo que, nos Estados Unidos, a preocupação é com a não eleição dos principais opositores dos interesses da indústria armamentista.
A justiça também foi um instrumento na manutenção dessa política radical em relação às armas de fogo. As questões constitucionais são decididas por ela.
A composição da Supreme Court é importante para entender seu papel político. Os seus membros não têm mandato fixo nem idade máxima para se aposentar. Antonin Scalia foi nomeado por Reagan para a Supreme Court, em 1986 e foi diretamente responsável por posições de direita. Scalia esteve trinta anos no Supremo e deixou a sua marca. A sua composição interna é muito relevante, porque há uma figura acima dos demais, chamado de Chief Justice of the United States, e oito juízes. É costume chamar o Supremo com o nome do juiz que mais influenciou o conjunto. Assim, houve uma Scalia Court caracterizada por ser muito à direita. No que concerne as armas, um obstáculo à implementação de políticas públicas que reduzem as mortes violentas, veio da decisão da Supreme Court que derrubou importante iniciativa do District of Columbia, onde está a cidade de Washington, para controlar o porte de armas (D.C. vs Heller). Assim, o caráter muito conservador da Supreme Court durante um amplo período foi um instrumento relevante na manutenção dessa política radical em relação às armas de fogo.
Há muito mais. Não obstante, sem, pelo menos, essas informações e análises, é difícil entender a política de armas de fogo americana.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
Religiosidade, espiritualidade etc. e a saúde física e mental de idosos
Há quase consenso de que a religião, a religiosidade e a espiritualidade “ajudam” a lidar com doenças, particularmente as graves ou as em fase terminal. Koenig, George e Titus estudaram pacientes idosos. A pesquisa é simples: uma enfermeira, treinada para participar da pesquisa, entrevistou 838 pacientes na medida em que eram internados numa instituição médica.[i]
A despeito da dificuldade no desenho da pesquisa, foi aplicado um questionário muito rico na mensuração da religiosidade e conceitos associados – o “bundle” sobre religião. Incluía escalas para medir a participação religiosa, tanto na organização quanto fora dela, a religiosidade “intrínseca”, a religiosidade, avaliada pelo idoso e também por observadores, medidas de espiritualidade (auto avaliada e também avaliada por observadores, e as experiências espirituais do dia a dia. O contexto psicológico e social também foi estudado: sintomas de depressão, o funcionamento cognitivo, o apoio social, a disposição em cooperar, e a saúde física (sempre obedecendo às duas avaliações, externa e do próprio paciente. As tradicionais variáveis sócio demográficas (idade, sexo, raça e educação) também foram incluídas.
O que descobriram?
A religiosidade e a espiritualidade se correlacionavam com maior apoio social, menos sintomas de depressão, as funções cognitivas funcionam melhor e houve menos obstáculos à cooperação com pessoas e grupos.[ii]
Havia, também, relações com a saúde física, mas menos intima do que com a saúde mental.
Evidente, evidencias como essas mostram a utilidade de estimular as funções religiosas e espirituais que os pacientes porventura tiverem como um importante reforço para as terapias convencionais.
[i] Religion, spirituality, and health in medically ill hospitalized older patients, J Am Geriatr Soc. 2004 Apr;52(4):554-62.
[ii] As relações foram estatisticamente significativas, umas no nível de P<.01 e outras no nível de P<.0001.
Curso de pós-graduação em Segurança Pública
Queridos colegas:
Recebi, como muitos, o pedido abaixo. Em princípio, sou favorável a que o país tenha cursos sérios na área da Segurança Pública. A Denise Salles completou o mestrado e o doutorado em Ciência Política no antigo IUPERJ. Eu a orientei nos dois programas. A Dayse Miranda completou o mestrado também no IUPERJ e se doutorou em Ciência Política na USP.
Elas pedem ajuda na divulgação de um curso na “nossa” área.
Creio que a maneira mais eficiente e isenta de as ajudar é divulgando sua carta entre os pesquisadores na área da Segurança Pública.
Um abraço
Gláucio Soares IESP-UERJ
Prezados colegas e amigos,
É com alegria que comunicamos oficialmente a aprovação do Curso de Segurança Pública e Cidadania pela Reitoria da UCP Petrópolis (Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. (cf. Resolução CNE/CES n° 01/2007 e Resolução 09/02).
A previsão do início do curso Segurança Pública e Cidadania é a primeira semana de março/2018. O inicio do curso dependerá do preenchimento do número de vasas (40 vagas).
As aulas serão quinzenais nos sábados. O programa, módulos/disciplinas, o calendário das aulas, docente, e informações administrativas estão detalhadas no documento em anexo.
Peço-lhes que analisem o calendário das aulas e informem individualmente se estão disponíveis nas respectivas datas.
Quanto ao conteúdo das disciplinas, os temas sugeridos no programa serão trabalhados segundo a expertise de cada docente. O professor terá total autonomia para preparar o conteúdo de suas respectivas disciplinas.
Em caso de dúvidas, estamos disponíveis para maiores esclarecimentos.
Agradecemos desde já pela disponibilidade de colaborar com este trabalho. Estamos confiantes que realizaremos um ótimo curso!!!
Contamos com a ajuda de vocês na divulgação do link do Curso em suas respectivas redes profissionais disponível abaixo.
http://pos.ucp.br/index.php/lato-sensu/centro-de-ciencias-juridicas/cidadania
Atenciosamente,
Dayse Miranda e Denise Salles.
PRESERVANDO O NOSSO CÉREBRO
O cérebro parece um músculo: exercitando-o se desenvolve; deixando parado, se atrofia.
Infelizmente, não é bem assim. Se fosse, os mundos acadêmico e intelectual estariam recheados de atletas olímpicos, cognitivamente falando. Porém, somos todos suscetíveis à demência e ao mal de Alzheimer’s.
O que não quer dizer que exercitar o cérebro seja inútil.
Uma pesquisa, que foi financeiramente apoiada pela Alzheimer’s Society da Grã-Bretanha, mostra que o que chamaram de Cognitive Training (CT), o treinamento cognitivo, pode contribuir para a prevenção da demência e para a manutenção das funções cognitivas em nós, coroas.
Como foi feita essa pesquisa?
Que resultados apresentou?
Primeiro, a pesquisa foi feita online, pela internet. Isso barateou enormemente o seu custo. Imagine como poderia baratear o custo do CT – para milhões de idosos brasileiros!
Seguiram um procedimento padrão: sortearam os participantes, adultos com mais de 50 anos, em três grupos: um foi treinado em Procedimentos Cognitivos Gerais; o segundo em Raciocínio e o terceiro pagou o pato: foi o grupo controle. Não foi treinado em nada. O treinamento durou seis meses e foi feito online.
Qual o objetivo principal? Contribuir para que idosos (mais de 60) tomem conta de suas atividades cotidianas, diárias. Continuem razoavelmente lúcidos e responsáveis por si mesmos.
Porém, os autores são pesquisadores e não perderiam essa oportunidade de avançar o conhecimento em outras áreas. A pesquisa tinha objetivos secundários: ver o efeito sobre o raciocínio, sobre a memoria verbal de curto prazo (essa aterroriza os coroas de verdade, >80 anos). Tem mais: recauchutar a memória funcional espacial, a aprendizagem verbal e a vigilância digital. O numero de coroas cobaias era grande: 2.912 com mais de sessenta. A garotada com mais de cinquenta até sessenta era ainda mais numerosa.
E os resultados?!!!? E os resultados?!!!?
Os pacotes de treinamento ajudam! O pacote geral e o com exercícios de raciocínio ajudaram os coroas de mais de sessenta a enfrentar os problemas do cotidiano. Os ganhos no raciocínio começaram mais cedo, em seis semanas; os outros demoraram mais tempo – seis meses.
Um grupo importante era os que já demonstravam algum declínio associado com a idade. São os gagás – como eu provavelmente já sou.
O que aconteceu com eles???
Aleluia! O Bom Deus não excluiu os gagás! Houve benefícios semelhantes aos obtidos pelos não gagás. Todos os grupos (menos o controle, claro) melhoraram.
Uma conclusão se impõe: o treinamento cognitivo online beneficia os coroas de diversas idades. Dentro de limites, mas beneficia. O maior benefício vem do treinamento no raciocínio.
Uma profecia (fácil!) também se impõe: treinamentos como esses e seus benefícios vão demorar a chegar ao Brasil e firmar raízes no país. Aqui tudo se faz através do estado, povoado em boa parte por analfabetos funcionais dedicados somente a aumentar o seu próprio patrimônio.
GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ
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Legislação sobre armas de fogo e suicídios: contribuições da Áustria
As armas de fogo aumentam, diminuem ou não afetam o número de suicídios?
É uma pergunta humanamente relevante. Mais de oitocentas mil pessoas se suicidam anualmente no mundo.[i] É, aproximadamente, o equivalente à população total de João Pessoa. Imaginem a execução de toda a população de João Pessoa. Porém, o tempo não para e os suicídios continuam – e aumentam. No ano seguinte, poderia ser São Bernardo do Campo, em São Paulo. Mais um ano e mais uma cidade evaporada, desta vez, digamos, Nova Iguaçu. Nos últimos dez anos é como se toda a população do Paraguai tivesse sido executada; nos próximos dez anos será o equivalente à Suíça. Evaporada pelos suicídios.
E no Brasil? Há alguns anos, oficialmente superaram os dez mil, uma possível subestimativa, e o número aumenta todos os anos.
Cada suicida deixa sofrimento. Pessoas que o amam, que gostam dele, familiares, amigos e conhecidos. Alguns deixam poucos; outros deixam muitos. São as vítimas ocultas da violência.[ii] Esse sofrimento aumenta a relevância ética e humana do tema, que merece ser estudado e conhecido. Bem conhecido. Conhecimento baseado em dados sólidos, em pesquisas cientificas, e não em chutes e achismos.
Há dias, um amigo reproduziu um texto sobre armas. Se referia às mortes por armas de fogo nos Estados Unidos e continha a seguinte afirmação: “65% dessas mortes são por suicídio, o que nunca seria evitado pelas leis anti-armas.”
Um chute errado e grotesco.
O que faz um pesquisador sério que quer verificar se há relação entre as leis que afetam a disponibilidade das armas de fogo e o número de suicídios? Começa se informando, lendo as pesquisas mais relevantes que já foram feitas. Não é pouco! Tomemos duas fontes comuns, que uso com frequência:
1. PubMed é um repositório aberto, de uso público, de pesquisas na área médica, incluindo saúde pública. Inserindo as palavras-chave “guns” AND “suicide”, obtemos 1.294 publicações;[iii]
2. Google Scholar também é um repositório aberto que abarca todas as áreas do conhecimento acadêmico e não somente a médica. É muito maior: lista mais de 131 MIL publicações.
Não dá para ler todos, mas a Google Scholar usa algoritmos e pode apresentar as publicações em ordem de relevância, incluindo o número de citações recebidas pela publicação, usualmente um artigo científico. E após a leitura de muitas dezenas ou algumas centenas, temos uma boa ideia do que é o “campo”, para usar uma expressão de Bourdieu.
É o produto de dezenas de milhares de pesquisadores, envolvendo milhões de anos de trabalho. Conhecimento que a humanidade acumulou e que não pode ser ignorado por curiosos preguiçosos. Muitas dessas publicações requerem “numeracy” e leitura detalhada. E muito trabalho. Algumas, inicialmente, requerem, apenas, a leitura do resumo. É um procedimento que permite excluir muitos artigos da lista de leitura detalhada. Há outros que requerem muita atenção e terceiro que requerem busca de dados complementares.
Ao dialogar com a literatura cientifica, a primeira pergunta que se impõe é se políticas restritivas à aquisição e porte de armas e munições afetam ou não a taxa de suicídios.
Há pesquisas sobre o tema?
Há.
É preciso lê-las com atenção. O que requer tempo.
Um artigo dos mais recentes, metodologicamente sofisticado se refere à Áustria.[iv] Em julho de 1997, a Áustria adaptou sua legislação à Diretiva 91/477/EEC que controla a aquisição e posse de armas. Entretanto, as restrições da nova legislação austríaca foram além das propostas no âmbito da União Europeia. Requer um motivo para a aquisição, incluiu (pela primeira vez) testes psicológicos, a idade mínima de 21 anos, e verificação de antecedentes criminais.
A primeira consequência da legislação foi a redução no número de novas licenças para obter armas.
Foi real. A mudança nas taxas de licenciamento é estatisticamente significativa (t=–5,28, P<0,0001).
Essa redução afetou os suicídios com armas de fogo. Antes a tendência era ao crescimento (aproximadamente 140 suicídios a mais por ano); após a legislação, observamos uma redução de 125 por ano.[v]
Qual o efeito detalhado sobre os suicídios?
Os autores esclarecem:
“Os resultados mostram que a taxa de suicídios em armas de fogo diminuiu entre mulheres de 20 a 64 anos, homens de 20 a 64 anos e homens com 65 anos ou mais; os suicídios de armas de fogo como uma porcentagem do total de suicídios diminuíram; a taxa de homicídios das armas de fogo diminuiu; e a taxa global de licença de armas de fogo diminuiu após a promulgação da nova lei. Esses resultados são verdadeiros, mesmo quando se ajustam a fatores de confusão comuns de taxas de suicídio, como o desemprego e o consumo médio de álcool per capita, bem como a proporção de homens jovens na população. ”
Houve substituição dos meios usados para o suicídio?
Não. Não houve.
Qual o efeito sobre a taxa total de suicídios no país?
Houve clara e insofismável redução: a taxa era de 22,2 por cem mil em 1995 (antes da legislação); 19,6 em 2000; 16,9 em 2005 e 15, em 2010. A OMS padroniza e disponibiliza dados ajustados por idade, que chegam a 2015, a partir de 2000: 15,8; 13,2; 12,1 e 11,7 – em 2015. Esses dados confirmam: houve uma tendência à redução, que permanecia quase duas décadas mais tarde.
E os homicídios?
Os autores fornecem dados e apresentam os resultados graficamente:
Antes de 1998 não havia tendência discernível no que concerne os homicídios com armas de fogo.[vi] Porém, após a mudança na legislação, observamos uma tendência negativa de –2.3% ao ano, estatisticamente significativa (χ2=23,6, P<0,0001). Controlando o desemprego, o consumo de bebidas alcoólicas e a percentagem de homens jovens na população, a tendência continua significativa (χ2=3.9, P=0.049).
Esses homicídios evitados, com armas de fogo, foram compensados pelo crescimento de homicídios com outros meios?
Não. Não foram.
Os dados do Banco Mundial mostram uma tendência ao declínio na taxa de homicídios a partir de 1998, até 2007, quando atingiu 0,5 por 100 mil habitantes, seguida por pequenas oscilações, voltando ao baixo nível de 0,5 em 2014 e 2015.
A mesma equipe analisou dados internos da Áustria, comparando o equivalente aos municípios, chegando à conclusão esperada de que suicídios com armas de fogo são mais frequentes em municípios com maior taxa de licenças para posse de armas.[vii] Infelizmente não temos acesso às taxas totais de suicídio nesses municípios.
Qual o resultado da leitura detalhada desse artigo e da busca de dados complementares?
· Permitiram que víssemos que, na Áustria, a adoção de legislação restritiva à aquisição de armas reduziu o número anual de novas licenças;
· Reduziu a taxa de suicídios com armas de fogo;
· Que não foram compensados com o crescimento dos suicídios com outros meios (dados adicionais da OMS);
· Reduziu a taxa de homicídios;
· Que não foram compensados com o crescimento dos homicídios com outros meios (dados adicionais do Banco Mundial).
Usei a leitura de artigo recente para exemplificar os ganhos no conhecimento que vai muito além do achismo e das afirmações vazias. Foram mais de dois dias de trabalho, incluindo a busca de dados complementares.
Valeu a pena!
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
[i] Dados da OMS. Ver http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/
[ii] SOARES, Gláucio; MIRANDA, Dayse; BORGES, Doriam. As vítimas ocultas da violência do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (Coleção Segurança e Cidadania, 4)
[iii] O “AND” maiúsculo é um operador Booleano que requer que as duas palavras sejam usadas como palavras-chave.
[iv] Nestor D. Kapusta, Elmar Etzersdorfer, Christoph Krall, Gernot Sonneck, Firearm legislation reform in the European Union: impact on firearm availability, firearm suicide and homicide rates in Austria. The British Journal of Psychiatry Aug 2007, 191 (3) 253-257; DOI: 10.1192/bjp.bp.106.032862
[v] A mudança nas taxas de licenciamento é estatisticamente significativa(t=–5,28, P<0,0001).
[vi] (χ2=0,04, g.l=18, P=0,840)
[vii] Etzersdorfer, E., Kapusta, N. D. & Sonneck, G. (2006) Suicide by shooting is correlated to rate of gun licenses in Austrian counties. Wiener Klinische Wochenschrift, 118, 464-468.
A TRAJETÓRIA DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EM CINCO IDIOMAS: ASCENSÃO RÁPIDA E QUEDA LENTA
Acabo de publicar um artigo sobre as raízes cepalinas da política econômica de Dilma e Mantega. O que aconteceu om o “pensamento da CEPAL”?
Para ler é só clicar no link:
http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/edicao/REVISTA11.pdf
Gláucio Soares, IESP-UERJ
A Suíça e as mortes por armas de fogo
Em discussões a respeito dos efeitos da presença de armas de fogo nas residências sobre as mortes com armas de fogo, particularmente sobre os homicídios, frequentemente a Suíça é usada como exemplo pelos armamentistas. Não obstante, a informação é pobre e raramente os dados são analisados adequadamente.
É claro que, se quisermos discutir a Suíça como exemplo, convém ter dados atualizados e mais completos do que se lê nos jornais. Em primeiro lugar, o número de armas de propriedade de civis não é invariante no tempo: ao contrário, declinou aceleradamente: eram cerca de três milhões e quatrocentas mil em 2005 e no ano passado eram dois milhões. A taxa de armas de propriedade de cidadãos suíços declinou de 45,7 por cem em 2005 para 24,5 em 2016. A queda é aceleradíssima.
Qual o efeito da redução das armas na Suíça? A queda nas mortes totais por armas de fogo acompanhou essa redução: a taxa era de seis por cem mil em 1996, quatro em 2005 e três em 2013. Se a presença de armas se correlacionasse com a segurança, a ausência de violência e a paz, essa taxa deveria ter aumentado e não diminuído. Como em outros países “desenvolvidos”, a maioria das mortes se deve a suicídios.[i]
É importante conhecer a composição das armas: as armas de mão são menos da metade das armas de cano longo. Em 2005, 28.6% das residências suíças tinham, pelo menos, uma arma de fogo, mas apenas 10,3% tinham armas de mão (handguns). Para cada residência com uma arma de mão, havia duas com outro tipo de arma de fogo, a maioria de uso militar.
É preciso conhecer as dificuldades em contar corretamente as armas. É só ler Aaron Karp para ter uma noção.[ii]
É indispensável não confundir a propriedade de armas com a guarda de armas de propriedade do governo. Quando somente as armas de PROPRIEDADE de alguém na residência são computadas, a Suiça é, apenas, a 28o colocada entre 178 países.
É um país bem estudado. A Universidade de Sidnei lista quase cento e cinquenta trabalhos (a grande maioria disponível em inglês ou francês) em
http://www.gunpolicy.org/firearms/region/switzerland
Ou seja, a experiência suíça não apoia as pretensões dos armamentistas.
[i] WHO. 2016 ‘Inter-country Comparison of Mortality for Selected Cause of Death – Gun Suicide in Switzerland.’ European Detailed Mortality Database (DMDB). Copenhagen: World Health Organisation Regional Office for Europe. 25 June
[ii] 2007 ‘Completing the Count: Civilian firearms.’ Small Arms Survey 2007: Guns and the City; Chapter 2 (Annexes 1-5), p. 67 refers. Cambridge: Cambridge University Press. 27 August.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
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O Monstro mora lá em casa
Melissa é uma adolescente de 14 anos que conheci no interior do Nordeste, na divisória entre o Agreste e o Sertão. É a filha mais velha de Euricéia que, há alguns anos, foi viver com outro companheiro, com o qual teve mais três filhos. É um alcoólatra, praga disseminada no interior do Nordeste. Quando está alcoolizado, vem à tona o pior da cultura machista da região: a definição da mulher como inferior ao homem, a crença de que as mulheres são um corpo auxiliar do homem, e que seus companheiros podem deflagrar violência incontida contra ela. Melissa defende Euricéia, mas, por ser mulher, sua defesa não encontra legitimidade na população nem nas instituições. Na última surra, Melissa tentou segurá-lo e impedi-lo de continuar chutando e socando a mãe. A agressividade do padrasto se voltou contra ela: enfurecido, agarrou uma chave de fenda e bateu na cabeça de Melissa, que perdeu a audição em um ouvido. O dano é permanente. Tinha 13 anos quando isso aconteceu.
Redes sociais interpessoais, particularmente de familiares e de amigos, são importantes porque facilitam sair do ambiente violento, concedem um tempo para respirar, um lugar para ficar, às vezes acompanhado de quantidades pequenas de dinheiro para necessidades mínimas. Euricéia não tinha rede local pessoal e as instituições preferiam ignorar situações como essa; por isso, sofreu durante anos. Há leis que de fato não vigoram em todo o território nacional; há bolsões onde a cultura impede a sua aplicação. As instituições que existem na realidade são muito diferentes das que encontramos no papel. As instituições não a protegiam, a ignoravam. Ao contrário, uma rede de pessoas e instituições guiadas por uma cultura machista funcionava contra ela. A solução apareceu, casualmente, quando um contribuinte da instituição católica que a ajudava assistencialmente e educava os seus filhos resolveu comprar a briga.
Porém, essa briga não é entre bandidos e mocinhos. Euricéia já havia sido culturalmente amputada. Não era uma santa lutadora.
Recebeu uma casa simples para morar. Uma das condições para permanecer na nova morada é cuidá-la, consertá-la etc., não obstante, Euricéia não faz nada disso, sob a alegação de que "isso é coisa de homem". As interpretações dos que a conhecem variam desde considerá-la uma vítima, até uma preguiçosa à espera de um homem para "tomar conta" dela e dos filhos, uma postura chamada de Complexo de Cinderela por Collette Dowling, uma jornalista americana. Essas amputações são frequentes e imobilizam muitas mulheres.
Aguentar esse tipo de violência durante anos não é exclusividade de pobres ou residentes do sertão. Patrícia é uma psicóloga que cresceu numa família funcional. Namorou e, aos três meses, engravidou. Sua história é exemplo da importância da rede de apoio, no caso, uma importância negativa. A família dela se opôs ao casamento, mas a dele não informou Patrícia sobre com quem ela iria se casar, para que exercesse seu direito de escolha, uma escolha baseada em informações reais a respeito do parceiro. Em pouco tempo, Patrícia descobriu com quem se casara: um dependente químico, que vivia de golpes, tinha ficha policial, e era extremamente violento quando drogado ou alcoolizado. A rede da família do marido, embora gostasse de Patrícia, ocultou os vícios do rapaz, talvez na esperança de que o casamento o "consertasse". Muitas mulheres acreditam (ou têm esperança) que podem "consertar" o marido ou companheiro. Algumas se especializam em companheiros "complicados" (alcoólatras, drogados, criminosos, deprimidos profissionais etc.). Rejeitam homens mais próximos da normalidade e escolhem os que precisam de cuidados. Querem ser mães de seus próprios companheiros e terminam servindo de sacos de pancada. É um fenômeno que começa a ser estudado e já tem nome: co-dependência.
Em poucos dias, Patrícia passou a viver o pesadelo da violência doméstica. Seu primeiro filho nasceu prematuramente, devido aos chutes recebidos na barriga. Porém, sua família se negou a recebê-la de volta, alegando que foram contra o casamento e que ela deveria arcar com as consequências de sua decisão. Rejeição conveniente e confortável, que eliminava os problemas que seus membros teriam que enfrentar se assumissem algum tipo de responsabilidade por Patrícia e seu primeiro filho. A rede mais importante a que as mulheres brasileiras têm acesso, a família, não a protegeu. Patrícia perdeu o emprego devido ao absentismo e à gravidez. Apanhou muito. Foi apenas quando uma amiga se dispôs a vender um apartamento e a deixou ficar lá até que o vendesse que Patrícia pode sair de casa – por seis meses. Mas a falta de segurança e as repetidas promessas do marido a fizeram voltar; mais uma vez se descuidou e o resultado foi o segundo filho. Mas nada mudou. Piorou: mais surras e, agora, ameaça de morte com um revólver. Patrícia, sem rede institucional ou pessoal de apoio, aguentou mais dois anos e meio até decidir fugir, no meio da noite, num caminhão com os filhos e suas coisas. Fugiu para o interior do estado, sem deixar pista. Na fuga, um ato inteligente: ignorou a rede que não a ajudara quando mais precisava. Sumiu.
Patrícia teve nova chance: competente, conseguiu empregos, através de concursos, com remuneração adequada. Encontrou outro companheiro, em nada parecido com o ex-marido, que aceitou seus filhos e com quem teve outros dois. Só entrou em contato com o primeiro marido anos mais tarde, para exigir pensão para os filhos dele. Quem a paga é a família porque ele continua drogado e sem trabalho fixo. Patrícia só reconstruiu sua vida e recuperou seus direitos, porque construiu nova rede pessoal e institucional. Passou a trabalhar no Judiciário e a rede institucional, que antes protegia o ex-marido, passou a protegê-la – no papel. Obteve o direito, mas raramente recebeu parte da pensão porque o ex-marido não “segurava emprego”.
Quando a violência se origina na própria família, a primeira rede de socorro, a vítima fica sem alternativa, o que é frequente nos casos de abuso sexual. Como não temos dados confiáveis brasileiros, usamos referências internacionais. Langan e Harlow concluíram que vinte por cento dos abusos sexuais de crianças são feitos pelo pai. As vítimas de estupro são jovens. Dezesseis por cento das vítimas de estupro têm menos de doze anos e metade tem menos de 18. A média das idades quando acontece o primeiro abuso é de 9,6 anos para meninas e 9,9 anos para meninos. Não é um crime entre estranhos: em 96% dos casos, a vítima conhecia o estuprador. Tende a ser seriado, contínuo e a acontecer dentro da rede familiar onde a relação entre vítima e monstro é permanente, o abuso tende a aumentar e dura, na média, quatro anos. Noventa e seis por centro dos que abusam são heterossexuais e mais da metade deles abusa outras crianças, dentro ou fora da família. O abuso sexual é um padrão comportamental.
É o caso de Tatiana, vítima de abuso sexual do pai e da mãe. É isso mesmo: do pai E da mãe. Hoje, com trinta e vários anos e seriamente traumatizada, não consegue se lembrar das primeiras vezes em que o abuso aconteceu. Sabe que era obrigada a participar das relações entre o pai e a mãe e que o pai fazia sexo oral nela. Sabe que não houve penetração, mas que o pai "se esfregava" nela. Os pais se separaram, mas continuaram a se visitar e a levá-la contra a vontade. Os demais membros da rede familiar não entendiam a resistência de Tatiana a visitar o pai, nem suas constantes fugas quando o pai visitava. Atribuíam o problema à criança, que consideravam difícil e agressiva.
O abuso sexual não sai barato, nem suas pesadas consequências se limitam a mulheres típicas da cultura de países industriais ocidentais: Haj-Yahia e Tamish, estudando vítimas palestinas, constataram maior incidência de psicoses, ansiedades, fobias, paranoias, depressão, TOC e outros problemas psicológicos entre vítimas do que em um grupo controle com características semelhantes. Pesquisas em outros países produziram resultados iguais.
As denúncias de abuso sexual são regularmente examinadas no que concerne veracidade e detalhe: dois por cento das feitas por crianças são falsas, percentagem que aumenta para seis entre adultos, mas esses patamares não valem para todas as culturas onde houve pesquisas.
Muitas destas violências não chegam a ser conhecidas pelas “autoridades”; trancafiadas nos segredos de família. Infelizmente, o abuso sexual de crianças acontece frequentemente, com a conivência e/ou a omissão culposa de outros membros da família.
O abuso de Tatiana durou toda a infância, até a morte do pai, quando ela tinha doze anos. Foram necessários mais dezesseis anos até que ela conseguisse falar a respeito, primeiro com a terapeuta, depois com algumas amigas e membros selecionados da família.
Pensou e planejou suicídio, e desejou a morte dos pais, mas não a planejou. Tem sérios problemas psicológicos que atribui aos muitos anos de abuso sexual – no mínimo quatro.
As entrevistas relatadas (Melissa, Euricéia, Patrícia e Tatiana) são parte de um projeto maior sobre violência doméstica. Foram pessoais, com corroboração de, pelo menos, uma pessoa não participante. Todos os nomes e outros identificadores foram alterados, mas as pessoas existem e as estórias são verdadeiras.
Acontece, nesse momento, com milhões de brasileiras e brasileiros.
Há um mês reencontrei Tatiana. Continua lutando contra as depressões e a síndrome de estresse pós-trauma. Tatiana conheceu duas irmãs mais jovens, filhas do mesmo pai. Ambas tinham sido estupradas pelo pai. O estupro era rotineiro.
Gláucio Ary Dillon Soares
IESP/UERJ
Esse texto, originalmente, foi publicado como artigo no GLOBO e editado posteriormente. Coloco nas mídias sociais em um esforço de informação e de conscientização. Foi revisto vários anos após, em agosto de 2017, em função de fatos novos, as conversas de Tatiana com suas irmãs menores (de outra mãe).
O BEM QUE O EXERCÍCIO FAZ
Recebi mais um artigo com dados de pesquisas sobre os benefícios dos exercícios físicos. Pressão alta é uma doença que muitas pessoas têm. Pode, como muitas doenças, agir escondida, sem dar notícia do mal que está fazendo.
O que é que a pressão alta faz? Aumenta o seu risco de vários problemas do coração, inclusive os ataques do coração; parada cardíaca; derrame, colapso renal e vários outros males.
São muitas as pesquisas que demonstraram isso. Essa adiciona a obesidade como fator de risco. A obesidade é definida como pesar vinte por cento ou mais do que o que deveria ser o seu peso, levando em consideração altura, sexo e idade.
A obesidade mata?
Mata.
Mata mais de 110 mil pessoas cada ano, todos os anos, somente nos Estados Unidos.
Não obstante, o estudo permite uma gota de otimismo: o exercício pode ajudar a baixar a pressão do sangue. Melhor: até doses moderadas de exercícios podem produzir esse efeito.
Num centro de pesquisas biomédicas, chamado Pennington, na Louisiana, fizeram uma pesquisa com 400 mulheres. Tinham entre 45 e 75 anos e todas eram obesas e sedentárias.
Essas mulheres foram divididas em quatro grupos: um ficou como estava, sedentário. Os outros três eram grupos que exercitavam com intensidade diferente: um com pouca intensidade; outro com intensidade moderada e um terceiro com muita intensidade.
Elas foram acompanhadas durante seis meses. Após esse tempo, ficou claro que a pressão sanguínea baixou em todos os três grupos de exercício. As que se exercitaram mais tiveram baixas maiores, mas a diferença não foi grande.
Mesmo as que se exercitaram com menor intensidade usufruíram os benefícios do exercício.
Na média, as mulheres não perderam peso, mas, a despeito disso, sua condição cardíaca melhorou consideravelmente. Um benefício adicional: o nível de estresse baixou.
Claro que a primeira pergunta de muitos leitores é: que tipo de exercício, durante quanto tempo?
Segundo os pesquisadores, um dos melhores exercícios é andar. Eles também sugerem começar “de leve”, se possível com supervisão médica. Sugerem que as pessoas mais pesadas e fora de condição física comecem com caminhadas de cinco minutinhos, três vezes por dia. Gradualmente, aumente a distância e o tempo. Depois aumente a velocidade: ande um pouquinho mais depressa. Em algum tempo chegará a dez minutos, três vezes por dia, o que totaliza uma base razoável de meia hora por dia – se possível todos os dias.
Literalmente, nossa vida depende disso.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
A TRAJETÓRIA DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EM CINCO IDIOMAS: ASCENSÃO RÁPIDA E QUEDA LENTA
O que virá após a crise política? Possivelmente o modelo econômico mais adequado para o Brasil voltará à pauta. A discussão não será só política, no Congresso, nos partidos: será acadêmica também. Com o intuito de informar qual foi a trajetória de alguns dos conceitos centrais das teorias que, subjacentes às políticas, se enfrentam no mundo acadêmico, coletei informações sobre seu uso, crescimento e desuso nos livros, nos milhões de livros que foram xerocados pela Google, publicando os resultados na coluna “Pesquisando”, disponível na revista Em Debate clicando em
http://opiniaopublica.ufmg.br/…/…/edicao/5-pesquisando13.pdf
Agradeço aos que quiserem dar a mim a honra de uma leitura.
Vidas desiguais, mortes desiguais
Durante os "bons anos" pós Estatuto e durante a era Beltrame houve uma redução na taxa de mortes por homicídios no Estado do Rio de Janeiro tanto entre brancos quanto entre negros. Se quiserem dar-nos a honra de uma leitura, Sandra Andrade e eu analisamos séries temporais que mostram que persistiram diferenças absolutas entre a vitimização dos negros e a dos brancos. O artigo se chama "Vidas Desiguais, Mortes Desiguais" e está disponível em
opiniaopublica.ufmg.br
http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/7-vidas-glaucio1.pdf
Triste segunda feira
Triste segunda feira
Ler o artigo de Ligia Bahia n’O GLOBO de hoje, segunda feira, 8 de maio de 2017, em outras circunstâncias, provocaria um sorriso, uma alegria. Afinal, é um artigo que mostra o quanto uma autora pode fazer nas poucas linhas disponíveis para quem escreve para a seção de Opinião. Um artigo escrito por uma doutora em Saúde Pública que pode ser compreendido pelo leitor comum; um artigo que trata de tema relevante para o país. Um excelente artigo.
A relevância e o conteúdo do tema, que recomendam a autora, entristecem o leitor. Mostram que o governo Temer está disposto a sacrificar a saúde dos brasileiros para aumentar a probabilidade de aprovar as mudanças econômicas que muitos julgam indispensáveis para que o país saia do fundo do poço.
O artigo de Ligia Bahia vai além de suas palavras: provoca reflexões nos leitores, que enchem a cidadania de apreensões e tristezas.
A cultura política corrupta e apodrecida, da qual Temer é parte e símbolo, cobra muito caro a sua anuência. O preço pago por Temer pelos votos de apoio de um partido mediano é a exclusão da competência do Ministério da Saúde. Não esqueçamos que um ministro não é, apenas, UM ministro. Cada ministro deste tipo traz consigo toda uma velharia incompetente e carcomida que ocupa cargos onde decisões importantes são tomadas. Decisões que afetam milhões de brasileiros, das quais a formação, a informação atualizada e a competência foram excluídas. Decisões que variam com os ventos do mercado político, de votos e apoios e não com a necessidade da população.
E mais brasileiros adoecem e não são tratados.
Muitos, demasiados, morrem.
Triste segunda feira.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
Um choque no coração que não aconteceu
Na terça feira, tinha que fazer uma cardioversão, um procedimento hospitalar que hoje é para outpatients. Chegas, te examinam, te espetam, te ligam a diversos aparelhos, te anestesiam, te dão um choque elétrico, esperam que acordes meio bobo e, se tudo estiver bem, alguém te leva para casa. É um procedimento que já fiz, há uns vinte anos.
Dormi pouco, até as duas, pensando em coisas práticas. Acordei e peguei uma carona com uma das senhoras que me acolheram durante uns dias, fiz a burocracia do check in, fui para o pré-operatório, me espetaram, coletaram sangue e me ligaram a monitores. Pressão alta. Perguntei se eu estava fibrilando, responderam que sim, perguntei se era a-fib ou a-flutter; responderam “os dois”.
Aparece uma senhora, de um grupo chamado Angels of Mercy, da igreja católica na qual fui à missa no domingo anterior, mobilizada pelo Padre Gillespie e outros amigos da igreja. Era enfermeira aposentada. Ficamos conversando, enquanto eu esperava ….fibrilando… para ir à sala de operações. Com fibrilação, a respiração fica difícil, o cansaço é claro e a visão um pouco turva.
Um intervalo nas preparações, e ela me perguntou se eu não gostaria de rezar. Rezamos um Pai Nosso, uma Ave Maria, e um Glória.
Me levaram para a sala de operações. Me deram oxigênio e começaram a injetar o anestésico. Colocaram os monitores em funcionamento. Alguém olhou para os monitores e disse: "ele está com o sinus normal". Esperaram uns minutos e começaram a retirar tudo. E me mandaram para casa. O procedimento que não aconteceu, a cardioversão através de um choque no coração, era para restaurar o sinus normal…
Fui tomar um brunch. Era depois das onze. À tarde aproveitei para andar vinte minutos no Westside Park, onde corri (e depois andei) durante tantos anos.
No dia seguinte, entrei no Kia emprestado pelo meu amigo,o Pastor Earl Lawson e dirigi duas horas e pouco até Lake Mary. Com mais energia, com visão clara e pensamento lúcido – como não tinha há vários anos.
E agora?
Vai saber…
RESULTADOS DE UMA CAMPANHA CONTRA O FUMO
Em 2014 foi iniciada uma campanha de esclarecimento, conscientização e prevenção a respeito dos danos causados pelo fumo chamada Tips. Boa parte da campanha se baseou em relatos de fumantes e antigos fumantes. Os organizadores estimam que, devido à campanha, nada menos do que 1,83 milhões de fumantes tentaram deixar o vício, um número substancial, mas apenas 104 mil conseguiram abandoná-lo definitivamente.
Eu aprendi três coisas com esses resultados:
1. É muito difícil abandonar o vício: menos de seis por cento conseguiram como resultado dessa campanha;
2. Não obstante, os resultados valeram o esforço da campanha: mais de cem mil deixaram. Muitas, muitas vidas foram salvas.
3. Essas estimativas são frágeis porque não sabemos quantos deixariam de fumar sem a campanha.
Dados epidemiológicos estimam que quase meio milhão de americanos morrem anualmente devido às consequências, diretas e indiretas, do fumo.
Pior: para cada um que morre, há trinta vivendo com sérios problemas e restrições. Vidas encolhidas, irremediavelmente comprometidas.
Seria bom se, na vida de cada um, essa luta começasse mais cedo. Lembro-me de Yul Brinner, ainda relativamente jovem, no leito de morte, respondendo à pergunta (se me lembro bem…): "há algo que queira dizer?"
Respondeu: “don’t smoke”. Não fumem.
GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ
Justiça Desigual
18 de março às 23:21 ·
Li, hoje, notícia que me deixou inquieto. A esposa de Sérgio Cabral, Adriana Anselmo, teve sua prisão transformada em prisão domiciliar para cuidar de dois filhos menores. Li, em texto de Julita Lemgruber, que a práxis é permitir a prisão domiciliar quando há filhos pequenos e o marido também está preso.
Me pergunto se essa práxis deve ser aplicada, também, a homicidas. É, apenas, uma divagação. Acredito que a sofisticação do conhecimento poderá criar jurisprudência no Brasil para que o sistema penal aceite, permita e regule provas baseadas em probabilidade e risco.
Na minha opinião, os desvios bilionários de recursos públicos matam muita gente, adoecem e prejudicam muitas mais; se conseguirmos computar todos os efeitos diretos e indiretos, os autores de mega-desvios, como os denunciados na Operação Mascate, um desdobramento da Operação Calicute, poderíamos demonstrar que os autores desses desvios mataram mais gente do que muitos pequenos traficantes somados.
A crise na qual foi jogado o Estado do Rio de Janeiro graças em boa parte ao ex-Governador Sergio Cabral, se fez sentir nas estatísticas criminais do nosso estado. Em 2002, ano anterior à promulgação do Estatuto do Desarmamento, houve 8.045 mortes; a partir de então começaram a descer. Em 2012 houve 4.666, uma pedestre regressão sugere decréscimo de 336 por ano durante mais de uma década. Muitas vidas foram salvas. O Estatuto do Desarmamento e as políticas inteligentes implementadas por Beltrame contribuíram para isso.
Porém, o deterioro do país como um todo, e do Estado do Rio de Janeiro em particular, interrompeu essa queda na letalidade violenta. Os números fizeram pior do que parar de baixar: eles cresceram. Foram 5.348 mortos em 2013; 5.719 em 2014; 5.010 em 2015 e, em 2016, novo salto de patamar, para 6.248. Inverteram a tendência construída durante mais de uma década.
Na minha opinião, assassinos de massa não são apenas os que apertam o gatilho, mas incluem os que, através de corrupção, negligência, incompetência ou imperícia permitem que centenas ou milhares de outras pessoas o façam.
Mais uma vez, na minha opinião, é o que aconteceu no Estado do Rio de Janeiro. Sérgio Cabral e Adriana Anselmo, em graus diferentes, contribuíram para que milhares morressem. O cálculo exato da responsabilidade de cada um é impossível. Se as mortes tivessem estacionado no nível de 2012, no final de 2016 estariam vivas 1.382 pessoas que estão nos cemitérios. Essa diferença se refere somente a um ano e não leva em consideração a projeção da tendência de baixa construída com tanto sacrifício.
A razão para a prisão domiciliar é nobre. Cuidar de filhos menores. É a práxis. Não sei se essa tarefa importantíssima será cumprida ou não.
Não obstante, tenho outra fonte de inquietação. Há muitas décadas eu lia e ouvia constantemente a expressão “em uma sociedade de classes”. Era uma repetição tão frequente e monótona que parecia mantra. Me parecia desnecessária: todas as sociedades conhecidas são ou foram de classe. É preciso ir além. Na minha opinião temos a ganhar resgatando as ideias de Poulantzas, aceitando duas de suas considerações: a região do político tem certa autonomia e o estado é complexo (eu agregaria que, com frequência, é incoerente). Sem negar a afirmação de que o estado tem uma relação desigual com as classes, as raças, os gêneros, os detentores do poder político e os excluídos dele… e muito mais.
Há estamentos políticos e a categoria mais fundamental para entender o funcionamento nada democrático dos sistemas policial e judicial é a desigualdade. Desigualdade econômica e social e desigualdade no acesso ao estado, em geral, e à justiça, em particular. O trabalho da polícia e da justiça é profundamente desigual. Na minha opinião a prisão domiciliar de Adriana Anselmo é mais um exemplo: quantas mulheres envolvidas direta ou indiretamente com o pequeno tráfico, ou crimes menores, estão presas, assim como seus companheiros, e tem filhos menores?
Por que elas vão continuar na prisão e Adriana Anselmo ficará em casa?
GLÁUCIO SOARES
Um homicídio em Arlington; 270 em Caracas
Comenta meu filho Yuri, residente de Arlington, na Virginia, que “depois de três anos sem homicídios, quando temos UM homicídio numa população de 230k, a galera já fica nervosa. ”
Yuri calculou quantos homicídios haveria se Arlington fosse em Caracas: “seriam 270 homicídios só esse ano – um a cada três anos [em Arlington] versus 270 por ano [em Caracas]! ”
O Captain Patrick Donahue, do Departamento de Polícia do Condado de Arlington anunciou um meeting comunitário para discutir esse homicídio e as medidas a tomar.
Há, pelo menos, duas leituras dessas frases e desses dados: uma sublinha a diferença. Surge a pergunta: “como é que pode? ” A outra propõe que, se Arlington consegue ter esse nível baixo de homicídios, Caracas também poderia conseguir (e inúmeros municípios brasileiros, inclusive no nosso amado Estado do Rio de Janeiro).
Seriam muitas e muitas mudanças, econômicas, sociais, culturais e, sobretudo, políticas e éticas.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ